Heitor Ferraz
A obra poética de Adélia Prado é prova de que a poesia não precisa nascer somente do solo duro do eixo Rio-São Paulo. Como poucas, ela sabe resgatar para o seu leitor toda trama cultural e social do piccolo mondo das cidades do interior brasileiro. Pequenas histórias familiares, dramas do dia a dia, tudo isso filtrado pelo seu olhar arguto, resulta numa poesia extremamente refinada e bela. É aquela famosa história de que ao tratar de sua aldeia, o poeta está sendo universal. Morando em Divinópolis, Minas Gerais, onde nasceu em 1935, Adélia Prado é uma das mais importantes poetas brasileiras. E não descuida do verso, nem tampouco da prosa. A prova pode ser conferida nos seus dois novos livros, lançados pela Editora Mandarim: o romance Manuscritos de Felipa e o livro de poemas Oráculos de maio. Ela, que já lançou cinco romances, entre eles Componentes da banda e Cacos para um vitral, centra agora seu enredo na história de Felipa, uma mulher de meia-idade “registrando seu sofrimento”, como ela mesma escreveu, nessa entrevista feita por fax, para a CULT. A poesia de Adélia Prado tem despertado bastante interesse de críticos importantes, como Augusto Massi, e sua obra poética foi coligida em 1991 pela Editora Siciliano em Poesia reunida. Com este novo livro, mantendo seu tom coloquial, de quem registra a vida em pequenos fragmentos tanto de memória como de flagrantes do dia a dia, ela ressalta a importância da religiosidade dentro de sua obra. Para esta escritora que vem colocando sua cidade, no oeste de Minas, dentro do mapa da poesia brasileira, a poesia está entranhada na experiência e resulta do garimpo diário das palavras.
CULT – Você está lançando dois livros novos. Nos dois, a presença de Deus é marcante. Em sua poesia, de modo geral, há muito da cultura católica brasileira. Qual a importância, na sua obra, da religiosidade?
Adélia Prado – A religiosidade está na minha obra em registro explícito de confissão católica. E assim, primeiro, porque são dados da minha experiência mais remota, oculta, o dogma, a catequese. Mas, sobre ser um dado cultural-biográfico, é também e principalmente um empenho em viver minha crença, crença herdada, mas que abraço por desejo e necessidade do coração. Não há, então, como ela não aparecer no meu texto.
CULT – Sua poesia traz um olhar feminino para o cotidiano, desde a forma como você resgata seu passado até no seu tratamento do tema amoroso. A poesia para você é experiência?
A.P. – O cotidiano é minha matéria-prima, pedreira onde garimpo não só o ouro, mas a própria pedra. Se a poesia é experiência? Sim. Doutro modo não seria a linguagem que a torna “a linguagem por excelência”. E para mim é a experiência no mesmo sentido da experiência religiosa. Ambas pedem o especialíssimo verbo poético que lhe constitui a própria carne.
CULT – Você também está publicando um romance. Mas é curioso como sua própria poesia pode ser lida como pequenos contos, sintéticos, da vida cotidiana. O projeto de um romance é extensão de um projeto poético?
A.P. – Pode ser extensão, nunca uma intenção, porque a forma já vem em forma de prosa.
CULT – Você poderia falar um pouco sobre o seu novo romance Manuscritos de Felipa?
A.P. – Manuscrito de Felipa é uma mulher registrando seu sofrimento, pedindo socorro entre lugar e sombra, dor lancinante e alegria que só a poesia é capaz de dizer.
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