sexta-feira, 4 de julho de 2014

Depoimento (Suplemento Literário)


Trago aos leitores mais um emocionante depoimento adeliano sobre a Poesia. O texto quem arranjou foi a  escritora e jornalista Branca Maria de Paula, para o Suplemento Literário de Minas Gerais, no dia 23 de junho de 1984. Segue abaixo sua transcrição. Boa leitura!

Não entendo que a literatura tenha uma função. Não a sinto como categoria utilitária destinada a prestar tal ou qual serviço. Daí meu incômodo e meu desgosto com a chamada literatura engajada, uma contradição já em termos. A palavra, quando intenciona um resultado prático, uma ação, virá discursivamente política, religiosa, filosófica, panfletária, como ensaio, artigo, etc. Deve, evidentemente, possuir a beleza da correção e da clareza. Não mais lhe será pedido. A palavra literária, pelo contrário, não precisa (até pode) ser "correta" nem clara, mas tem de ser bela. Se beleza for considerada uma função, estará aí a única que se pede à literatura. A verdadeira literatura, como qualquer obra de arte, será ontologicamente crítica (engajada) e revolucionária. Dispensa da parte do autor a preocupação de sintonizá-la com o que quer que seja. Alguém cobra engajamento de uma rosa, a flor milenar, perenemente nova e surpreendente? Um livro "engajado", um teatro, que discutam, por exemplo, os atualíssimos temas da violência, da divisão de terras, da permissividade sexual, se forem má literatura e mau teatro, provocarão em platéia e leitores, bocejos e raiva. Porque, no fundo, são uma empulhação, uma coisa pseuda. Ao contrário, um texto verdadeiramente literário sobre "amenidades", como flor, nuvem, pode produzir em platéia e leitores de dura cerviz uma passeata ecológica para a defesa do verde, co/movidos unicamente pelo único argumento indiscutível, a Beleza, que atinge em nós regiões mais ricas e mais profundas que o raso nível da inteligência. Isto, sim, me deixa perplexa, o mistério, o instigante didatismo, a pedagogia formidável das obras verdadeiras. Creio que a fonte da Beleza é Deus, o que me dá um começo de explicação. O resto é literatura, obra humana, falível, com tal pobreza que até estilos tem. Salve ela! Vou parar porque sinto que começo a fazer literatura, quando me foi pedida uma resposta clara.
Adélia Prado

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